terça-feira, 16 de outubro de 2007

O rapaz que queria aprender a voar

Um dia - disse o avô - vou aprender a voar....

A verdade é que numa tarde cor de avelãs e nozes, por entre o bailado das folhas muito douradas e vermelhas de Outono, o avô levantou voo e desapareceu.

Onde foi? Onde está? As aves piam baixinho: - Ía tão depressa que nem perguntámos.

Foi nesse dia que o rapaz decidiu - também ele !!! - aprender a voar.

O avô coleccionava. Tinha grandes colecções, as maiores do mundo no seu género. De pedras coloridas, seixos lisos, calhaus muito macios (que rolavam como quedas de água).
Tinha colecções tão variadas como: a colecção dos papéis pintados, a colecção dos papéis metalizados, a
colecção dos papéis enrugados e a colecção dos papéis cheios de recordações (postais, cartas e segredos da avó).

O avô tinha ainda uma colecção que fazia há muitos anos....Fazia-a de olhos bem fechados: a colecção de guardar as mais belas palavras. Para? Para sabê-las de cor.

Coleccionava também canções. Para? Para cantá-las a seu jeito.

Coleccionava ainda delicadezas. Para? Para que, com os gestos mais suaves, os bons modos mais apreciáveis, pudesse receber e encantar quem conhecesse.

O avô tinha uma colecção de gravatinhas; outra de peúgas; outra de cachecóis; outra de casacos. Outra de calças. O avô não tinha pantufas!!!

E havia ainda a colecção das janelas! Uma de abrir. Outra de nunca fechar. Mais uma de arejar. Outra de saír. Mais uma de pernas para o ar!

E havia uma colecção de idéias! Boas, más, assim assim. Algumas estavam na colecção de livros de rir... de chorar... de sonhar... de saber... de voar e de desaparecer.

O rapaz lembrou-se, apressou-se, agarrou-se a esta colecção.

- Quero aprender tudo!

E leu de braços abertos, de peito ao vento e a pensar no céu. Como se pertencesse, a um bando de aves à procura da melhor sorte (migalhas, sol, beirais de telhados, namoradas, um ninho para deixar o ovo... essas coisas).

Pensava o rapaz: - Como terá o avô conseguido?

Sem pensar, sem bico e sem saber os segredos das aves, pelo menos os que elas guardam, muito bem guardados, lá em cima, no alto mais alto das suas andanças mais altas...

O rapaz cismava. O que dizia, tantas vezes, o avô? Vontade! Vontade! Vontade! É preciso ter vontade! Mais forte que a força física é a força de vontade! (O rapaz fechou os olhos e sentou-se à borda da cama. Parecia um pardal na ponta da telha do telhado ou no ramo mais frágil).

Quando voou para longe pela primeira vez, viu: Pinheiros, salinas, moinhos, cerejas, guitarras, montanhas, cigarras, castanhas, pessoas pequeninas, um bocado do mundo a arder!!

O rapaz respirou fundo e, de repente,...de repente sentiu-se muito leve, tão leve que o ar passava por ele como passam as gotas de chuva pela terra alimentando as plantas.

Tornou-se um grande voador. E começou então a fazer a sua própria colecção.
in " A Bruxinha" do escritor Alexandre Honrado.
P.S. - Esta é uma história infantil, que eu não quis deixar aqui de transcrever, uma história bonita como todas as histórias infantis. Mas no fundo uma história que tem muito que contar.

2 comentários:

S disse...

Uma história muito bonita sem dúvida. Tu também és bonito como a história :)

Unknown disse...

É muito bom, sentir-mos que alguém que está muito longe, nos identifica e reconhece tal como somos. É gratificante, é como um bálsamo para a alma. Obrigado Sylvia, por seres quem és. Beijinho.